domingo, 26 de fevereiro de 2012

Le Cordon Bleu - Quarta Semana!

Se existe uma palavra que pode mudar sua vida na cozinha, essa palavra é “planejamento”. Durante este quase 1 mês de curso (nossa, como passa rápido!), todos os meus dias ruins foram por falta de planejamento. E os dias bons? Sim, isso mesmo, porque foram bem planejados.

Esta semana eu fui do inferno ao paraíso em 24 horas. Inacreditável. E o culpado disso? Sim, o planejamento. Isso porque semana passada, não sei se vocês lembram, deu tudo meio que certo. O molho da carne de segunda ficou ralo, mas tudo bem. Na terça, a apresentação estava ruim, mas tudo bem também. Na quarta, eu achei que não fosse dar tempo, e sobrou tempo!

Daí como eu comecei essa semana? Achando que eu já era chef. Metida, convencida, e toda toda. Nem estudei direito as receitas. Cheguei segunda-feira na aula de demonstração achando tudo muito fácil. “Um prato apenas? Vou tirar de letra...”. O prato era peito de frango recheado com molho de cogumelos e cebolas, ou o chique “Suprême de Volaille Chivry”.

 Preparado pelo Chef John

Anotei o passo a passo direitinho. A receita? Cheia de detalhes. Aliás, culinária francesa é isso. Se dá para complicar, por que não? E se dá para complicar com muita manteiga e creme, aí os franceses tem um orgasmo culinário! Pois o simples peito de frango recheado levava nada mais nada menos que 3 tipos de manteiga! E claro, creme, não pode faltar nunca.

Basicamente o que temos que fazer é limpar o peito de frango, fazer uma espécie bolso para colocar o recheio, e cortar as beiradas para deixá-lo num formato “agradável” aos olhos. Com as sobrinhas de frango (sem gordura) a gente faz o recheio (pois é, frango recheado com frango, não entendi o propósito, mas ok) juntando creme e pistaches fatiados. O problema disso tudo é que o recheio tem que ficar na consistência de mousseline (ok, você não sabe, eu explico: mousseline é um meio termo entre purê e creme, entendeu?). E para conseguirmos isso, temos que bater os restos de frango no liquidificador, e depois passar numa peneira.

Então lá fui eu, alegre e sorridente, esquartejar o meu franguinho, quando dei de cara com Chef Iris, que muito simpática se ofereceu para me ajudar! Olha que lindo! É claro que eu aceitei! Só que ela pegou meu frango, colocou no liquidificador, ligou, deixou 3 míseros segundos, e me devolveu: “It’s done. Agora é só peneirar”. E eu pensei... “ai caraca, isso não vai dar certo, era para ter batido mais... mas é a chef, o que eu posso fazer?”. Então com muita coragem peguei a peneira e comecei... e apertei, apertei mais, apertei com todas as minhas forças, e a porcaria do frango não passava pela peneira. Perdi a noção da hora, não tenho a menor idéia de quanto tempo fiquei brigando com o frango. Mas foi muito, muito tempo. E aí, se eu tivesse me planejado melhor, eu teria conseguido contornar a situação e recuperar o tempo perdido. O que aconteceu? Me desesperei, não sabia mais o que tinha que fazer, não sabia mais que manteiga colocar, quanto de creme acrescentar, o que tem que temperar, o que não tem... E quando isso acontece, a gente perde um precioso tempo olhando as anotações e tentando se achar. Resultado: fui a última da cozinha a entregar o prato, com ridículos 50 minutos de atraso. Isso mesmo, 50!!!!!! O frango ficou muito bom, mas eu tive que escutar da chef um “O que houve contigo hoje Ana?” que entrou como uma faca no meu ouvido. Fui para casa arrasada. Não sou uma pessoa competitiva, nem me acho mais do que ninguém. Mas a única vez que eu me lembrava de ter sido a última em qualquer coisa foi quando eu estava na segunda-série, e tirei a menor nota de ortografia da sala, porque resolvi colocar acento em todas as palavras. Eu tinha uns 9 anos. Enfim. Lição aprendida. Como diz minha mãe: “Errar uma vez é humano. Duas vezes é burrice”. E como eu me recuso a ser burra, prometi para mim mesma que o erro não seria repetido.

Preparado por mim.

No dia seguinte, o menu era sopa de abóbora e consommé de carne.

 Sopa de abóbora, preparada pelo Chef John.

 Consommé de carne, preparado pelo Chef John

De novo, parecia fácil. Mas não me deixei enganar dessa vez. Ao contrário do dia anterior, me planejei o máximo que pude. Li a receita umas 10 vezes. Li o passo a passo mais umas 20. Tentei passar na minha cabeça todos os momentos, desde a separação dos utensílios e dos ingredientes até a preparação do prato para apresentação ao chef. Entrei na cozinha sem olhar para os lados. Não tive que pensar um segundo no que fazer, já estava tudo no automático. Eu estava tão concentrada que nem percebi o quanto que eu estava adiantada. Até que, quando fui tirar a abóbora do forno, Gustavo, um amigo brasileiro me disse: “rapidinha hein!!!”. Daí que fui olhar para os lados. E pasmem! Ninguém estava tão adiantado quanto eu. Olhei para o relógio, fiz umas contas rápidas e pensei: “Caramba, vou servir 15 minutos antes que o limite!”. Então continuei no mesmo ritmo, e muito, muito orgulhosa de mim mesma, fui a primeira da cozinha a apresentar a sopa para Chef Josef. O melhor de tudo? A sopa estava perfeita! Então chef Josef me disse: “Well done Ana. Agora vá lá e me prepare um belo consommé!”.

(aqui eu deveria colocar a foto da minha sopa de abóbora. Mas como eu sempre tenho que esquecer algo, acabei de me dar conta que, na euforia de apresentar o prato mais cedo, esqueci completamente da foto... aff!!!)

O consommé já estava no fogo, reduzindo e ganhando cor e sabor. E o truque é que quanto mais ele fica no fogo, mais sabor e cor ele ganha. Então, sem muito o que fazer, comecei a ajudar os outros. E pela primeira vez em todo o curso, consegui ajudar Eden (se lembra dele, o mais rápido da cozinha, que sempre termina mais cedo e ajuda todos?). Falei: “Eden, finalmente, vou conseguir retribuir um pouquinho do que você faz pela gente sempre!”. E enquanto eu lavava a louça, pensava: “como é possível, isso! Um dia, sou a última, outro dia sou a primeira! Inacreditável...”.

A gente tinha que servir o consommé às 17:15h. Então as 17:00h eu coloquei meus legumes julliene no forno, aqueci um pouquinho, apaguei o fogo do consommé, servi o prato e apresentei ao chefe. O consommé não ficou perfeito porque poderia ter ganhado mais cor. Mas o sabor estava ótimo, o caldo estava bem transparente, e não havia sinais de gordura. “Well done again Ana!”. “Thanks chef!”.

Consommé preparado por mim

Fui para casa tão feliz! Leve, confiante, renovada! Até consegui ter forças para ainda correr 6 km! Depois de ficar 3 horas e meia em pé cozinhando, não é fácil! Mas aí quando fui me preparar para a aula do dia seguinte, surpresinha: Foie de veau sauté au lard, ou melhor dizendo, fígado. Arghhhh!!! Detesto! Tenho trauma de criança. Era obrigada a comer porque faz bem para a saúde. Mas não tem nada mais disgusting que fígado! Fico toda arrepiada só de pensar... O que salvou o dia foi que além do fígado, também fizemos de sobremesa Bavarois à la vanille com Raspberry coulis e chantilly. Uma delícia!

 Preparado pela Chef Elke

Vou me limitar a dizer que sim, meu fígado ficou bom, segundo chef Tristen. Mas foi no escuro, porque não cheguei nem a provar (arghhhh de novo!). Tudo terminado, sem a menor expectativa de levar o fígado para casa (arghhhh quantas vezes for necessário!), comecei a oferecer a todos meu fígado (a carne, não o órgão, só para esclarecer). Ninguém quis. Então ofereci para os funcionários da limpeza. Ninguém quis! Só me restou jogar no lixo, o qual para minha surpresa já estava abarrotado com o fígado de todos os outros alunos! Um pecado! Mas sinceramente, quem é que gosta de fígado? E porque eu estou aprendendo isso no básico? Vai saber!

Fígado (arghhhh!) preparado por mim. Estava arrumadinho, 
mas eu esqueci de tirar a foto antes do chef provar... 

O Bavarois ficou muito bom também, mas o coulis deveria ter consistência de coulis (mais líquido), e não de geléia (como vocês podem ver, cozinhou demais e virou uma deliciosa geléia. Eu gostei assim! Mas está errado... rs).

Bavarois preparado por mim. 

Semana que vem, temos peixe na segunda, na terça e na quarta! Vou começar a tentar postar aqui as receitas. Não prometo, não sei se vou ter tempo, mas acho que vai ser bacana para vocês, afinal, é Le Cordon Bleu, né minha gente? J






sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Le Cordon Bleu – Terceira Semana!

Após 3 semanas de curso, é incrível como algumas coisas já entraram no automático. Por exemplo, todo santo dia de curso eu acordo às 6:45h, troco de roupa, coloco na bolsa o uniforme da cozinha, tomo café, preparo 2 sanduíches, escovo os dentes, penduro a sacola de livros nas costas, saio catando tudo que estou esquecendo e colocando na bolsa, penduro a bolsa no ombro esquerdo,  toolkit no ombro direito, ticket do ônibus no bolso esquerdo, iphone no bolso direito,  e lá vou eu que nem burro de carga para pegar o ônibus. Quer outro exemplo? Entre a aula de demonstração e a prática na cozinha, eu corro até o vestiário, deixo meus livros no locker, pego minha sacola de utensílios, como um sanduíche em 3 segundos, prendo meu cabelo, corro até a cozinha que fica do outro lado do prédio, coloco meu avental, prendo meus panos de prato no avental, e fico estudando a receita do dia até a hora que o chef nos chama para dentro. Dentro da cozinha eu deixo minhas tralhas no balcão, lavo as mãos, entro na fila para pegar a tábua de cortar e as vasilhas (mais tralha!), volto para a minha bancada, pego minha bandeja de ingredientes, separo os utensílios que vou precisar, e a partir daí são 3 horas e meia cortando, cozinhando, provando, se cortando, se queimando, e etc etc etc.

Outra coisa que entra no automático é o teamwork. Imprescindível na cozinha. Enquanto uns estão num esquema de competição, eu e Ismat (minha vizinha de bancada e um presente de amiga na minha vida) não fazemos nada sem pensar uma na outra. Se eu vou pegar farinha, pego para nós duas. Se ela vai checar a torta no forno, ela checa para nós duas. Ela não precisa pedir permissão para usar meus utensílios, nem eu os dela. Se ela está atrasada, eu a ajudo. Se estou fazendo algo errado, ela me avisa. No final, o resultado é bem superior ao que seria se fizéssemos cada uma por si. E aqueles que estão no esquema competição? À medida que as receitas complicam, é quase um suicídio tentar fazer tudo sozinho. Pelo andar da carruagem, não vai demorar muito até eles entenderem isso.

Ismat é minha maior parceira, mas não é a única. Eden, meu vizinho de frente, é o mais rápido de toda a cozinha. Enquanto eu pisco o olho, ele já cortou 3 cebolas, 5 cenouras e um saco de batatas. Com Eden não dá para fazer o mesmo esquema que faço com Ismat, porque ele está sempre um estágio à frente. O que acontece então? Toda aula prática, sem nenhuma exceção, Eden é o primeiro a acabar. O que ele faz? Não, ele não fica descansando, conversando, vendo celular, nada disso. Simplesmente Eden começa a limpar a sujeirada de todos. Sem ninguém nunca ter pedido isso a ele. Eu nunca consegui ajudar Eden (nem eu nem ninguém). E ele sempre, desde a primeira aula, me ajudou (não só a mim, mas a todos!). Eu acho isso simplesmente espetacular e tenho certeza que na hora de contratar, os restaurantes também acharão.

Semana a semana as receitas vêm ganhando técnica e complexidade.  Na segunda, preparamos Contrefilet de Bouef Rôti, ou simplesmente o nosso querido rosbife. Acompanhado de vagens francesas, cenouras e abobrinhas glacê e batatas chateau.

Preparado pelo chef John

Parece tranqüilo, só colocar a carne no forno e esperar. Será mesmo? Pra começar, você tem que limpar a carne, tirar toda aquela gordura dura e transparente que vira uma borracha quando cozida (não estamos falando aqui daquela gordurinha gostosa que dá sabor a carne). Limpou? Agora é hora de amarrar a carne com um barbante, para que ela não perca o formato quando cozinhar. E aí tem toda uma técnica, você segura o barbante aqui, roda acolá, dá três nozinhos de um lado, amarra do outro... Uma loucura. É claro que eu não consegui de primeira. Comecei de novo umas 5 vezes, e por último, tanto que fiz que a carne ficou bem amarrada, mas eu não conseguia dar o nó final. “Chef, por favor, não sei como dar o último nó de forma que o resto não se solte”. E a chef: “Nem eu! Nunca vi essa sua técnica. É nova?”. Pois é, inventei uma nova técnica de amarrar carne...rs. O resto é relativamente simples. Em resumo, é selar e colocar a carne numa panela com vinho tinto e caldo de carne, e deixar no forno, checando de vez em quando a temperatura  da carne com um termômetro.  Minha carne cozinhou direitinho. Meu problema foi o molho. Se lembra que na semana passada acabei reduzindo-o demais e ele virou um xarope? Nessa semana reduzi de menos e ficou igual água. Ai que pobreza... E o pior foi ter que apresentar o prato com aquela coisa rala e sem graça. Não fui embora para casa feliz esse dia.

Preparado por mim. Olha que desastre o molho...

Daí terça chegou, com um dos pratos que eu mais esperava: Carré d’agneau en persille com Ratatouille Provençale. Em outras palavras: Carré de cordeiro em crosta de salsinha com ratatouille (beringelas, abobrinhas, pimentões, tomates e cebolas em cubos) ao estilo provençal.

Preparado pelo chef John (o ratatouille está atrás do carré. 
Ao lado temos Pommes Anna, que ele preparou apenas como 
demonstração).

Minha carne preferida! Amo amo amo! Aprendemos a fazer no forno, com essa crosta de salsinha que é um arraso, e o ratatouille que ficou uma delícia! Meu carré ficou no ponto, (poderia ter ficado um pouquinho mais mal passado, mas tudo bem), o molho ficou na consistência certa, o ratatouille perfeito... mas claro, sempre tem algo para atrapalhar. Dessa vez foi a apresentação. “Ana, como é que você traz um prato assim para mim??????” “Me desculpe chef, derramei molho, tentei limpar, pelo jeito não consegui...” “Desta vez vou aceitar, mas na próxima você pega outro prato e monta de novo, entendido?” “Yes chef”.

Preparado por mim. Dá pra ver a bagunça do prato?

Então chegou quarta. E o desafio? Clafoutis aux cerises com Sauce Anglaise (torta de cerejas com creme Anglaise).

Preparado pela chef Elke

Esta é uma receita que exige muita atenção e cuidado com os detalhes. Tudo pode dar errado.  Para começar a massa, dificílima de manusear, dificílima de chegar no ponto, dificílima de colocar na forma...  Teve gente que empacou ai e não saiu mais. Eu quase empaquei. Primeiro porque coloquei dois ovos em vez de um (Ismat e Eden, ao mesmo tempo, me alertaram do erro!). Chamei o chef e ele conseguiu tirar um ovo sem quebrar a gema (isso só com experiência!), mas acho que deixei um pouco de clara desse segundo ovo lá. O resultado é que a minha massa ficou mais molhada que o normal. O que se faz numa hora dessas? Mais farinha. Mas só fui entender isso depois de passar 15 minutos me estressando com aquele grude na minha mão. Depois, na hora de colocar na forma, a danada quebrou, e tive que abrir ela de novo. Deu certo,fui de segunda, mas me atrasei. E aí começou a bater aquele desespero: “não vai dar tempo, não vai dar tempo”. Até que olhei para o lado, e percebi que, com exceção do Eden e da Ismat, todos estavam tão ou mais atrasados que eu! Até a galerinha da competição estava muito atrás, uns ainda brigando com a massa, outros tendo que fazer tudo de novo. No final é claro que deu tempo, até sobrou. Torta no forno, tudo arrumado e limpo, e pela primeira vez em 3 semanas me vi sem ter o que fazer. Então a cabeça começa a funcionar, e “Chef, o pedaço da torta no prato, precisa ser triangular?” O chef me olhou desconfiado, e disse: “Não necessariamente”. “Thanks chef”. E com um sentimento incrível de liberdade criei uma apresentação completamente diferente das demais. E ainda acrescentei uma canelinha com açúcar que foi muito bem com as cerejas. Só esqueci de tirar a foto! Hahaha! Mas quando cheguei em casa, tentei repetir, e eis ai mais ou menos como ficou. Sendo que na aula eu coloquei um “caminho” de canela em pó em cima do açúcar.

Preparado por mim, mais ou menos igual ao que fiz na aula. 
Ficou faltando o caminho de canela em cima do açucar.

Na saída da cozinha, chef de bobeira, não agüentei e perguntei: “Chef, gostou da decoração?”. “Yes, yes, very creative”. “Thanks chef!” Aêêêêêêê!!!!!!!!!!!!!!!

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Le Cordon Bleu – Segunda Semana!

Primeiramente, gostaria de dizer que sim, ainda tenho os 10 dedos! Mas verdade seja dita, minhas mãos continuam sofrendo. Saíram os cortes, entraram as queimaduras. E que festival de queimaduras! Não se salvou um dedo sequer.  Esta semana nós usamos muito o forno, todos os dias, e a cozinha virou uma sinfonia de “ai!”, “ui!”, e de vez em quando um “aaaaaaaaaaaaaaaiiii!!!!!!!!!”. No final do terceiro dia, ninguém mais ligava se estava queimando ou não, as mãos já estavam dormentes mesmo, a pele já estava toda esturricada, a bolhas já tinham virado calos... e adeus às mãos de princesa, acho que nunca mais as terei.

Outra dificuldade da semana foi chegar ao curso. Perder o ônibus virou rotina. E aí você pensa: “isso que dá dormir demais e chegar atrasada no ponto! Bem feito!”. Obrigada pela parte que me toca, mas não foi o caso. Eu cheguei adiantada no ponto todos os dias. O problema é que o transporte público aqui na Austrália funciona muito bem. Tão bem, que ao invés do ônibus chegar atrasado, ele chega adiantado! No primeiro dia, cheguei 3 min mais cedo no ponto, e quando olho para a esquerda, olha o ônibus lá!!! Tá vindo? Não, tá indo! Já passou... Daí no segundo dia, cheguei 8 min mais cedo, e “Vale a pena ver de novo” entrou no ar, exatamente a mesmíssima cena, com direito a ônibus indo embora em câmera lenta e piiiiiiiiiiiiiii saindo da minha boca enquanto eu corro desnecessariamente na esperança ridícula que o ônibus vai parar e me esperar. Então no terceiro dia, com muita raiva no coração, eu pensei: “hoje vou acabar contigo seu desgraçado!”. E foram 10 minutos mais cedo no ponto. Cheguei lá, apoiei meus 20 quilos de tralha no chão, cruzei os braços, angulei as sombracelhas, e fiquei lá, batento pezinho... e bati pezinho, e bati pezinho, e fiquei a bater pezinho por exatos... 10 minutos! Sim, dessa vez ele chegou na hora. Tenho certeza que escutei o pensamento do motorista: Gotcha!  Ok, 3 x 0, mas eu juro que vai ter revanche.

Fora as pedras no caminho, a semana foi excelente. E eu já estou preparando pratos que até minha mãe duvidaria. Tudo bem que nem tudo saiu perfeito, mas não se esqueça que eu ainda estou aprendendo. E que eu entendo mais ou menos 80% do que o chef diz (60%, se o chef for italiano, e 40% se o chef for australiano, eita sotaque difícil!). Ou seja, algumas vezes eu simplesmente não sei o que deve ser feito. Quando consigo perguntar de novo ao chef, ótimo, mas quando não consigo, o que faço é olhar para os outros alunos, descaradamente, e copiar o que eles estão fazendo. E claro, torcer para que eles estejam fazendo certo.

Na segunda-feira, primeira aula da semana, nossa meta era preparar uma quiche Lorraine. Então primeiro a gente faz a massa, deixa a massa descansar e enquanto isso prepara os outros ingredientes (bacon e queijo). Depois a gente assa a massa sem o recheio, prepara o recheio, coloca o recheio, assa mais um pouco, e pronto, temos uma linda quiche Lorraine. Parece fácil né? Mas não é. Foram 3 horas e meia numa confusão total, 3.574 detalhes para prestar atenção e o fogão, de pirraça, resolveu não esquentar muito (será que ele ficou com pena das minhas mãos? Obrigada pela preocupação, querido fogão. Mas eu preciso que você esquente, mon amour). Ou seja, na hora de apresentar à chef, a massa estava ainda um pouco crua. O que me salvou, de novo, foi o tempero, na medida certa, excelente segundo a chef. Aeeeee!

Daí na terça, a coisa complicou mais. Além de termos que preparar e assar uma Pissaladiére (pizza francesa em formato retangular, sem queijo, e com minhas muito amadas anchovas!), tivemos também que preparar o super chique Pouding de riz à La Française (primo rico do nosso arroz-doce, de festa junina).  E pela primeira vez no curso eu tive vontade de chorar. Não porque cortei ou queimei a mão (meu lado macho não me deixa chorar por essas coisas), mas porque me vi completamente perdida umas 10 vezes. Sabe quando você vai até o outro lado da cozinha, e quando chega lá, pensa: “mas o que eu vim fazer aqui mesmo?”. E não, eu não dormi na aula de demonstração, muito pelo contrário, acompanhei e anotei passo a passo. Mas às vezes a gente está num dia ruim mesmo. O fato é que esqueci de botar o sal e o açúcar na massa da Pissaladiére, e o leite do pudim quase me matou do coração quando levantou fervura e por pouco, muito pouco mesmo, não entorna no fogão inteiro. Pelo menos meus reflexos estão em dia. Em 1 segundo a panela do leite já estava em cima da pia, meu rosto virado para o lado – sem coragem para ver a cena - e eu pensando: “Vai, derrama seu desgraçado!”. Não derramou! Chegou na bordinha e não derramou! - meus agradecimentos ao santo dos cozinheiros avoados. No final de tudo, para minha grande surpresa, a massa da Pissaladiére ficou ótima, e o pudim não ficou assim dos melhores, mas passou na média. Um milagre, levando em consideração as 3 horas e meia de horror.

Então chegava quarta-feira, e eu sinceramente entrei em desespero. O menu? Pernas de carneiro ao molho de vinho tinto, risotto, vagens francesas e cenouras glacê (em formato de barril!!!). “Não, não vai dar tempo, não é possível, assim não dá. Ei Cordon Bleu, eu ainda tô na segunda semana do básico hein! Vocês tem certeza disso????” Foi o que pensei quando cheguei em casa na terça e fui estudar para o dia seguinte. Bom, eu não tinha outra escolha a não ser tentar me preparar ao máximo. E assim fiz. Estudei cada ingrediente, suas quantidades, o que fazer com cada um, quando fazer, que utensílios usar, e etc etc etc. No dia seguinte, na aula de demonstração, eu não pisquei o olho, eu não olhei para os lados, eu não deixei de prestar atenção 1 segundo sequer. Eu era uma máquina. Resultado: quando cheguei na cozinha, sabia exatamente o que fazer, não perdi um milésimo de segundo, minha mente era um workflow, e enquanto eu estava no passo 3, ela já planejava os passos 4, 5 e 6. Pela primeira vez, me senti uma profissional na cozinha. O resultado dos pratos? Não, nem foi dos melhores. O risotto estava com boa consistência, mas faltou sal (se bem que o chef falou isso para a turma inteira, então acho que é ele que gosta de sal demais). O carneiro podia ter cozinhado mais (mas quando tirei do forno, pedi ao chef para ver se estava cozido, e ele disse que sim! Enfim, na próxima vez levarei em consideração também a minha opinião). E o molho? Tínhamos que reduzir (significa deixar em fogo baixo para que a água evapore e o molho ganhe consistência). Eu juro que entendi que quanto mais reduzido, melhor. Então deixei uns 40 min em fogo baixo e o molho virou um xarope. Achei lindo, achei que estava perfeito, achei que estava arrasando, e quando mostrei ao chef, surpresinha: reduziu demais. Para completar, minhas vagens estavam muito cozidas (elas tem que ficar al dente). Pelo menos as cenouras estavam perfeitas. Mas quem quer saber delas?

Enfim, apesar do resultado ruim, eu fui feliz para a casa. Consegui me organizar na cozinha, manter a calma, pensar em etapas, e não entrar em desespero. Para mim foi um passo enorme! Totalmente necessário para que eu ganhasse confiança novamente e continuasse acreditando que estou no caminho certo. A realidade é que pela primeira vez na minha vida eu realmente AMO o que estou estudando. Não me importo de perder as noites e finais de semana lendo sobre o assunto e praticando. Porque para mim não é estudo, é diversão, é felicidade, é bom demais.

Para as próximas semanas, prometo que me lembrarei de tirar fotos dos pratos. Mas se um deles queimar, vou falar que esqueci, e vocês devem fingir que acreditam, combinado? J

domingo, 5 de fevereiro de 2012

Le Cordon Bleu - Primeira semana!


“Então é assim que a banda toca...”, foi o meu pensamento após o primeiro dia de curso, deitada na minha cama, olhos vidrados no teto, mochila jogada num canto do quarto, toolkit no outro, o corpo sem a menor condição de fazer um movimento a mais. Exausta é pouco, eu estava completamente esgotada. “E eles disseram que a primeira semana é mais devagar? No way!”. Bom, a verdade é que a gente vai se acostumando. Após 3 dias de curso (sim, são apenas 3 dias por semana), eu já consigo acreditar no impossível.

Para começar, é preciso chegar no curso. Então a gente anda até o ponto de ônibus, espera o ônibus, pega o ônibus, salta do ônibus, anda uns 600m (ladeira acima, o que é um detalhe deveras importante) e lá está o toldinho azul da Le Cordon Bleu. Fácil? Seria, se o toolkit não pesasse uns 10 quilos, e minha mochila, completamente abarrotada com tudo que eu tenho que levar para a escola, não pesasse outros 10. Sem brincadeira, estou pensando em levar tudo numa mala de bordo com rodinhas lindas e deslizantes. Vou parecer louca, mas ok, minhas costas agradecem.

O curso começa as 9:00h. Mas como atrasos não são tolerados, e eu me conheço há 28 anos, me engano mudando o horário para as 08:30h. Assim consigo conviver tranquilamente com meus 15 minutos usuais de atraso, tão recorrentes como o meu café com leite de todo dia. Quem não aprende a se enganar não sabe a delícia que é comer bolo de chocolate com carinha de salada de frutas. Voltando ao assunto, a primeira aula do dia dura 2 horas e é pura teoria, com assuntos variando desde “a indústria” até “padrões de higiene na cozinha”.  Digamos que estes não são exatamente os assuntos preferidos de quem gosta mesmo é de colocar a mão na massa e produzir um belo Quiche Lorraine. Como eu, por enquanto, ainda estou achando tudo muito interessante, até que me comportei direitinho e a cabeça não caiu nenhuma vez. Mas algo me diz que lá pela terceira ou quarta semana, este cenário vai mudar drasticamente...

Passada a teoria matinal, às 11:00h é hora do intervalo. Fartos 30 minutos, nos quais a gente tem que comer algo (o próximo intervalo será apenas às 14:00h), trocar completamente de roupa, incluindo dar nó em uma gravata feita de um lenço triangular (o que, acredite, me toma uns 10 minutos, por baixo) e se der tempo, ir ao banheiro. Às 11:30h em ponto começa a próxima aula,  mas eu como boa nerd cegueta, gosto de pegar um lugar bem lá no cuspe do chef. Então para mim, o intervalo dura apenas 25 minutos, e olhe lá.

As próximas 2 horas e meia são de demonstração, ou seja, um dos chefs prepara todos os ingredientes e os cozinha na nossa frente. E aí você pensa que é tranquilão, igual a assistir ao programa da Ana Maria Braga? Grande engano. Sem exageros, não dá para ver celular, conversar com o coleguinha do lado, muito menos (muito menos mesmo) sair de sala para ir ao banheiro. Digamos que se você perder 30 segundos da explicação, já era, você já não sabe mais o que deve ser feito. Agora, lembre-se, como boa estrangeira, meu inglês não é nativo e the book que estava on the table não era about culinary. Ou seja, cada dia eu aprendo umas 20 palavras diferentes, no mínimo.  E claro, para complicar um pouco mais (porque estava muito fácil...), sendo a escola uma escola orgulhosamente francesa, não basta aprender em inglês, tem que aprender em francês também! Acho que vou liberar espaço no hard drive deletando os nomes em português, ou meu cérebro vai queimar junto com o Ragôut d’aubergines et de tomates da aula de quarta.

Galera esperando para entrar na aula de demonstração

Passada a demonstração, mais um incrível intervalo de 30 minutos, no qual teoricamente deveríamos almoçar, mas o que dá tempo mesmo é de comer o sanduiche frio feito em casa. Aliás, no primeiro dia, 90% da turma (incluindo eu) ingenuamente achou que teríamos tempo para comer algo rápido em alguma cantina da escola. Na ausência do tempo e da cantina (pasmen!), todos ficamos sem almoço. E passar fome já é ruim. Agora imagine passar fome cortando cenouras? “Eu como ou eu corto? Eu como (diabinho). Não, eu corto (anjinho). Não, eu como (diabinho). Pronto, comi (o diabinho sempre vence)”. Acho que ninguém viu. O fato é que nunca comi uma cenoura tão deliciosamente crua e sem sal em toda a minha vida.

Como você já percebeu, depois da demonstração, nós vamos para a prática. São 3 horas e meia, em pé, lavando, descascando, lavando, cortando, lavando, cozinhando, lavando de novo... Sabe aquela propaganda de TV de produto de limpeza que a dona de casa fala: sai neura! Enfim, se você nunca viu, ok, o pessoal da Le Cordon Bleu também não. Nunca vi gente tão obcecada por higiene. E não é só passar detergente não hein, tem que desinfetar também. No final você já não sabe se está desinfetando a faca ou a batata, mas abafa o caso.

Agora um pouquinho do que foi ensinado nestes 3 primeiros dias:

1º dia: Como cortar legumes em julienne, brunoise e mirepoix. Vou lhes poupar dos detalhes técnicos, mas resumindo, julienne são tiras bem fininhas, brunoise são cubos bem pequenininhos e milimetricamente iguais, e mirepoix é uma bagunça geral (é só cortar de qualquer jeito e tchan tchan tchan tchan, temos o chiquerésimo mirepoix). Primeiro dia com as facas novas, eis aí abaixo o resultado:

O primeiro corte foi este na palma da mão, mas bem pequenininho... 
O segundo, na última cebola do dia, um pouco pior... 

O mesmo corte da foto acima, mas sem o band-aid. 
Dá para ver as unhas cortadas? As do dedão e do anelar? Não, não é a última 
moda aqui na Austrália. Foi com a faca mesmo, e por pouco não 
foram mais dois dedos cortados!

2º dia: Como preparar caldos de carne, galinha, peixe e vegetais. O chef demonstrou como preparar os quatro, mas na cozinha nós só preparamos o de galinha e o de peixe. Vocês não podem imaginar como é dura a carcassa de um peixe grande. Não é a toa que o pessoal das peixarias usa aquelas mega peixeiras. A gente tinha que cortar a carcassa em pedaços pequenos. Sabe filme de terror, quando o assassino segura a faca lá em cima e, com toda a força,  desce a faca no pescoço da vítima? Pois é, foi um esquartejamento de peixe, sangue de peixe pra tudo quanto era lado, uma lambança geral. No final, meu caldo de peixe tinha gosto de salsinha, cebola, aipo... menos de peixe. Mas meu caldo de galinha ficou bom! “Wonderful color!”, disse o chef. Aêêêêê!!!!

3º dia: Chegou a hora de preparar comida de verdade!

- Pommes château: batatas em formato de barril, primeiramente escaldadas, depois fritas, depois assadas no forno. Vocês não imaginam o trabalho que dá para colocar estas batatas em formato de barril. Bem coisa de corte francesa mesmo. Mas elas ficam uma delícia.

- Carrots et navets glacês: cenouras e nabos, também em formato de barril (aff!), cozidas numa solução de água, manteiga e açúcar (isso mesmo, açúcar!). Depois de cozidas, tiramos as cenouras e nabos da solução e deixamos a solução virar tipo um xarope. Daí é só colocar as cenouras e nabos de novo lá por alguns segundos. Eles ficam super brilhosos e estranhamente gostosos.

- Ragôut d’ aubergines et tomates: Esse nome todo chique quer dizer berinjela e tomates cortados em cubos e fritos. Esse foi o último prato que começamos. Neste momento, o açúcar do carrots e navets glacês estava caramelizando, e as pommes château estavam no forno. Com tanta coisa ao mesmo tempo acontecendo, minhas berinjelas quase queimaram!!! L Percebi a tempo, tirei do fogo, e lá veio o chef: “Porque isto aqui não está no fogo?”, “Porque estavam queimando, chef”, “Se estão queimando e ainda estão cruas, ou você abaixa o fogo, ou coloca mais azeite”.”Yes, chef”. Bom, como o fogo já estava no mínimo (fogão industrial é surreal de forte!), eu taquei azeite nas berinjelas. Ok, parou de queimar, mas ficou muito gorduroso.

No final, preparamos um prato (com direito a decoração) e apresentamos ao chef.  Quando chegou a minha vez, eu estava muito, muito nervosa. Se ele falasse que estava horrível, acho que eu chorava, sei lá, desmaiava, algum drama desses. Pois bem, primeiramente a apresentação: “Está ok, mas tem muito óleo no prato por causa do ragout que está muito gorduroso”. “Ahhhhhh pô chef! Você que disse para eu colocar mais azeite!!!!” É claro que não falei nada disso. Só pensei. Mas então, ele pegou o garfo, e como em câmera lenta, ele deu uma garfada, e ele ajeitou a garfada, e ele comeu a garfada, e ele degustou a garfada, e quando estes 3 segundos já viravam uma eternidade, ele disse: “Muito bom, a apresentação está ruim, mas o tempero está excelente, e no final das contas, é isso que importa. Good job!”. “Thanks Chef!”

Vocês não podem imaginar minha alegria! A sensação foi quase a de ganhar Hell’s Kitchen. Toda a semana, todo o suor, todo o cansaço valeram a pena. E eu nem gosto de berinjela, mas esse dia comi berinjela no jantar, preparada na cozinha da Le Cordon Bleu, aprovada pelo Chef Josef da Le Cordon Bleu. Demais!