“Então é assim que a
banda toca...”, foi o meu pensamento após o primeiro dia de curso, deitada na
minha cama, olhos vidrados no teto, mochila jogada num canto do quarto, toolkit no outro, o corpo sem a menor
condição de fazer um movimento a mais. Exausta é pouco, eu estava completamente
esgotada. “E eles disseram que a primeira semana é mais devagar? No way!”. Bom, a verdade é que a gente
vai se acostumando. Após 3 dias de curso (sim, são apenas 3 dias por semana),
eu já consigo acreditar no impossível.
Para começar, é
preciso chegar no curso. Então a gente anda até o ponto de ônibus, espera o ônibus,
pega o ônibus, salta do ônibus, anda uns 600m (ladeira acima, o que é um
detalhe deveras importante) e lá está o toldinho azul da Le Cordon Bleu. Fácil?
Seria, se o toolkit não pesasse uns 10 quilos, e minha mochila, completamente
abarrotada com tudo que eu tenho que levar para a escola, não pesasse outros 10.
Sem brincadeira, estou pensando em levar tudo numa mala de bordo com rodinhas
lindas e deslizantes. Vou parecer louca, mas ok, minhas costas agradecem.
O curso começa as 9:00h.
Mas como atrasos não são tolerados, e eu me conheço há 28 anos, me engano
mudando o horário para as 08:30h. Assim consigo conviver tranquilamente com
meus 15 minutos usuais de atraso, tão recorrentes como o meu café com leite de
todo dia. Quem não aprende a se enganar não sabe a delícia que é comer bolo de
chocolate com carinha de salada de frutas. Voltando ao assunto, a primeira aula
do dia dura 2 horas e é pura teoria, com assuntos variando desde “a indústria”
até “padrões de higiene na cozinha”.
Digamos que estes não são exatamente os assuntos preferidos de quem
gosta mesmo é de colocar a mão na massa e produzir um belo Quiche Lorraine.
Como eu, por enquanto, ainda estou achando tudo muito interessante, até que me
comportei direitinho e a cabeça não caiu nenhuma vez. Mas algo me diz que lá
pela terceira ou quarta semana, este cenário vai mudar drasticamente...
Passada a teoria
matinal, às 11:00h é hora do intervalo. Fartos 30 minutos, nos quais a gente
tem que comer algo (o próximo intervalo será apenas às 14:00h), trocar
completamente de roupa, incluindo dar nó em uma gravata feita de um lenço
triangular (o que, acredite, me toma uns 10 minutos, por baixo) e se der tempo,
ir ao banheiro. Às 11:30h em ponto começa a próxima aula, mas eu como boa nerd cegueta, gosto de pegar
um lugar bem lá no cuspe do chef. Então para mim, o intervalo dura apenas 25
minutos, e olhe lá.
As próximas 2 horas e
meia são de demonstração, ou seja, um dos chefs prepara todos os ingredientes e
os cozinha na nossa frente. E aí você pensa que é tranquilão, igual a assistir
ao programa da Ana Maria Braga? Grande engano. Sem exageros, não dá para ver
celular, conversar com o coleguinha do lado, muito menos (muito menos mesmo)
sair de sala para ir ao banheiro. Digamos que se você perder 30 segundos da
explicação, já era, você já não sabe mais o que deve ser feito. Agora,
lembre-se, como boa estrangeira, meu inglês não é nativo e the book que estava on the
table não era about culinary. Ou
seja, cada dia eu aprendo umas 20 palavras diferentes, no mínimo. E claro, para complicar um pouco mais (porque
estava muito fácil...), sendo a escola uma escola orgulhosamente francesa, não
basta aprender em inglês, tem que aprender em francês também! Acho que vou
liberar espaço no hard drive deletando os nomes em português, ou meu cérebro
vai queimar junto com o Ragôut d’aubergines et de tomates da aula de quarta.
Galera esperando para entrar na aula de demonstração
Passada a
demonstração, mais um incrível intervalo de 30 minutos, no qual teoricamente
deveríamos almoçar, mas o que dá tempo mesmo é de comer o sanduiche frio feito
em casa. Aliás, no primeiro dia, 90% da turma (incluindo eu) ingenuamente achou
que teríamos tempo para comer algo rápido em alguma cantina da escola. Na
ausência do tempo e da cantina (pasmen!), todos ficamos sem almoço. E passar
fome já é ruim. Agora imagine passar fome cortando cenouras? “Eu como ou eu
corto? Eu como (diabinho). Não, eu corto (anjinho). Não, eu como (diabinho). Pronto,
comi (o diabinho sempre vence)”. Acho que ninguém viu. O fato é que nunca comi
uma cenoura tão deliciosamente crua e sem sal em toda a minha vida.
Como você já percebeu,
depois da demonstração, nós vamos para a prática. São 3 horas e meia, em pé, lavando,
descascando, lavando, cortando, lavando, cozinhando, lavando de novo... Sabe
aquela propaganda de TV de produto de limpeza que a dona de casa fala: sai
neura! Enfim, se você nunca viu, ok, o pessoal da Le Cordon Bleu também não.
Nunca vi gente tão obcecada por higiene. E não é só passar detergente não hein,
tem que desinfetar também. No final você já não sabe se está desinfetando a
faca ou a batata, mas abafa o caso.
Agora um pouquinho do
que foi ensinado nestes 3 primeiros dias:
1º dia: Como cortar
legumes em julienne, brunoise e mirepoix. Vou lhes poupar dos detalhes
técnicos, mas resumindo, julienne são tiras bem fininhas, brunoise são cubos
bem pequenininhos e milimetricamente iguais, e mirepoix é uma bagunça geral (é
só cortar de qualquer jeito e tchan tchan tchan tchan, temos o chiquerésimo
mirepoix). Primeiro dia com as facas novas, eis aí abaixo o resultado:
O primeiro corte foi este na palma da mão, mas bem pequenininho...
O segundo, na última cebola do dia, um pouco pior...
O mesmo corte da foto acima, mas sem o band-aid.
Dá para ver as unhas cortadas? As do dedão e do anelar? Não, não é a última
moda aqui na Austrália. Foi com a faca mesmo, e por pouco não
foram mais dois dedos cortados!
2º dia: Como preparar
caldos de carne, galinha, peixe e vegetais. O chef demonstrou como preparar os
quatro, mas na cozinha nós só preparamos o de galinha e o de peixe. Vocês não
podem imaginar como é dura a carcassa de um peixe grande. Não é a toa que o
pessoal das peixarias usa aquelas mega peixeiras. A gente tinha que cortar a
carcassa em pedaços pequenos. Sabe filme de terror, quando o assassino segura a
faca lá em cima e, com toda a força, desce a faca no pescoço da vítima? Pois é, foi
um esquartejamento de peixe, sangue de peixe pra tudo quanto era lado, uma lambança
geral. No final, meu caldo de peixe tinha gosto de salsinha, cebola, aipo... menos
de peixe. Mas meu caldo de galinha ficou bom! “Wonderful color!”, disse o chef.
Aêêêêê!!!!
3º dia: Chegou a hora
de preparar comida de verdade!
- Pommes château: batatas
em formato de barril, primeiramente escaldadas, depois fritas, depois assadas
no forno. Vocês não imaginam o trabalho que dá para colocar estas batatas em formato
de barril. Bem coisa de corte francesa mesmo. Mas elas ficam uma delícia.
- Carrots et navets glacês:
cenouras e nabos, também em formato de barril (aff!), cozidas numa solução de
água, manteiga e açúcar (isso mesmo, açúcar!). Depois de cozidas, tiramos as
cenouras e nabos da solução e deixamos a solução virar tipo um xarope. Daí é só
colocar as cenouras e nabos de novo lá por alguns segundos. Eles ficam super
brilhosos e estranhamente gostosos.
- Ragôut d’ aubergines
et tomates: Esse nome todo chique quer dizer berinjela e tomates cortados em
cubos e fritos. Esse foi o último prato que começamos. Neste momento, o açúcar do
carrots e navets glacês estava caramelizando, e as pommes château estavam no forno.
Com tanta coisa ao mesmo tempo acontecendo, minhas berinjelas quase
queimaram!!! L Percebi a tempo, tirei do fogo, e lá veio o
chef: “Porque isto aqui não está no fogo?”, “Porque estavam queimando, chef”, “Se
estão queimando e ainda estão cruas, ou você abaixa o fogo, ou coloca mais
azeite”.”Yes, chef”. Bom, como o fogo já estava no mínimo (fogão industrial é
surreal de forte!), eu taquei azeite nas berinjelas. Ok, parou de queimar, mas
ficou muito gorduroso.
No final, preparamos
um prato (com direito a decoração) e apresentamos ao chef. Quando chegou a minha vez, eu estava muito,
muito nervosa. Se ele falasse que estava horrível, acho que eu chorava, sei lá,
desmaiava, algum drama desses. Pois bem, primeiramente a apresentação: “Está
ok, mas tem muito óleo no prato por causa do ragout que está muito gorduroso”. “Ahhhhhh
pô chef! Você que disse para eu colocar mais azeite!!!!” É claro que não falei
nada disso. Só pensei. Mas então, ele pegou o garfo, e como em câmera lenta,
ele deu uma garfada, e ele ajeitou a garfada, e ele comeu a garfada, e ele degustou
a garfada, e quando estes 3 segundos já viravam uma eternidade, ele disse: “Muito
bom, a apresentação está ruim, mas o tempero está excelente, e no final das
contas, é isso que importa. Good job!”. “Thanks Chef!”
Vocês não podem
imaginar minha alegria! A sensação foi quase a de ganhar Hell’s Kitchen. Toda a
semana, todo o suor, todo o cansaço valeram a pena. E eu nem gosto de berinjela,
mas esse dia comi berinjela no jantar, preparada na cozinha da Le Cordon Bleu,
aprovada pelo Chef Josef da Le Cordon Bleu. Demais!
Oi Carolzinha tudo bem?? Estou adorando o seu blog e sua nova atividade. Que Deus te abençõe e que você possa ser muita feliz. Tenho uma amiga que é chef e é a felicidade em pessoa (e ela gerencia 2 restaurantes...). Beijos, querida, que Jesus te acompanhe, sempre. Angela Rocha
ResponderExcluirObrigada Angela!!!! Passe aqui mais vezes :)
ExcluirQdo eu voltar prepararei muitos e muitos jantares hehe
Bjinhos
Amiga!!!
ResponderExcluirMuito bom saber que você está radiante aí!!!
Adoro tudo o que você escreve. Viajo nas palavras e sinto exatamente as sensações que você descreve. Acho que você tem que escrever livros na vida! Não pode privar o mundo disto.
Beijooooooo
Amigaaaaaaaaaaaa
ExcluirQue coisa linda sua mensagem!
Obrigada pelos elogios :) Quero escrever livros sim!!!! O problema eh achar tempo para fazer tudo que quero! rsrsrs
Vem logo amigaaaaaaa To com saudade!!!!
Amo-te!!!!
Tb acho, vira escritora, Carol. Muito legal o seu blog.
ResponderExcluirBjs! Ale.
Obrigada Guevaaaaaaa!!! Mas isso quer dizer que você acha que eu sou melhor escritora que chef de cozinha??? Hum... rs
ExcluirBjinhos!