Outra coisa que entra no automático
é o teamwork. Imprescindível na
cozinha. Enquanto uns estão num esquema de competição, eu e Ismat (minha
vizinha de bancada e um presente de amiga na minha vida) não fazemos nada sem
pensar uma na outra. Se eu vou pegar farinha, pego para nós duas. Se ela vai
checar a torta no forno, ela checa para nós duas. Ela não precisa pedir
permissão para usar meus utensílios, nem eu os dela. Se ela está atrasada, eu a
ajudo. Se estou fazendo algo errado, ela me avisa. No final, o resultado é bem
superior ao que seria se fizéssemos cada uma por si. E aqueles que estão no
esquema competição? À medida que as receitas complicam, é quase um suicídio
tentar fazer tudo sozinho. Pelo andar da carruagem, não vai demorar muito até eles
entenderem isso.
Ismat é minha maior parceira, mas
não é a única. Eden, meu vizinho de frente, é o mais rápido de toda a cozinha.
Enquanto eu pisco o olho, ele já cortou 3 cebolas, 5 cenouras e um saco de
batatas. Com Eden não dá para fazer o mesmo esquema que faço com Ismat, porque
ele está sempre um estágio à frente. O que acontece então? Toda aula prática, sem
nenhuma exceção, Eden é o primeiro a acabar. O que ele faz? Não, ele não fica descansando,
conversando, vendo celular, nada disso. Simplesmente Eden começa a limpar a
sujeirada de todos. Sem ninguém nunca ter pedido isso a ele. Eu nunca consegui
ajudar Eden (nem eu nem ninguém). E ele sempre, desde a primeira aula, me
ajudou (não só a mim, mas a todos!). Eu acho isso simplesmente espetacular e
tenho certeza que na hora de contratar, os restaurantes também acharão.
Semana a semana as receitas vêm
ganhando técnica e complexidade. Na
segunda, preparamos Contrefilet de Bouef Rôti, ou simplesmente o nosso querido
rosbife. Acompanhado de vagens francesas, cenouras e abobrinhas glacê e batatas
chateau.
Preparado pelo chef John
Parece tranqüilo, só colocar a carne
no forno e esperar. Será mesmo? Pra começar, você tem que limpar a carne, tirar
toda aquela gordura dura e transparente que vira uma borracha quando cozida
(não estamos falando aqui daquela gordurinha gostosa que dá sabor a carne).
Limpou? Agora é hora de amarrar a carne com um barbante, para que ela não perca
o formato quando cozinhar. E aí tem toda uma técnica, você segura o barbante
aqui, roda acolá, dá três nozinhos de um lado, amarra do outro... Uma loucura.
É claro que eu não consegui de primeira. Comecei de novo umas 5 vezes, e por
último, tanto que fiz que a carne ficou bem amarrada, mas eu não conseguia dar
o nó final. “Chef, por favor, não sei como dar o último nó de forma que o resto
não se solte”. E a chef: “Nem eu! Nunca vi essa sua técnica. É nova?”. Pois é,
inventei uma nova técnica de amarrar carne...rs. O resto é relativamente
simples. Em resumo, é selar e colocar a carne numa panela com vinho tinto e
caldo de carne, e deixar no forno, checando de vez em quando a temperatura da carne com um termômetro. Minha carne cozinhou direitinho. Meu problema
foi o molho. Se lembra que na semana passada acabei reduzindo-o demais e ele virou um
xarope? Nessa semana reduzi de menos e ficou igual água. Ai que pobreza... E o
pior foi ter que apresentar o prato com aquela coisa rala e sem graça. Não fui
embora para casa feliz esse dia.
Preparado por mim. Olha que desastre o molho...
Daí terça chegou, com um dos pratos
que eu mais esperava: Carré d’agneau en persille com Ratatouille Provençale. Em
outras palavras: Carré de cordeiro em crosta de salsinha com ratatouille
(beringelas, abobrinhas, pimentões, tomates e cebolas em cubos) ao estilo
provençal.
Preparado pelo chef John (o ratatouille está atrás do carré.
Ao lado temos Pommes Anna, que ele preparou apenas como
demonstração).
Minha carne preferida! Amo amo amo! Aprendemos
a fazer no forno, com essa crosta de salsinha que é um arraso, e o ratatouille
que ficou uma delícia! Meu carré ficou no ponto, (poderia ter ficado um
pouquinho mais mal passado, mas tudo bem), o molho ficou na consistência certa,
o ratatouille perfeito... mas claro, sempre tem algo para atrapalhar. Dessa vez
foi a apresentação. “Ana, como é que você traz um prato assim para mim??????” “Me
desculpe chef, derramei molho, tentei limpar, pelo jeito não consegui...” “Desta
vez vou aceitar, mas na próxima você pega outro prato e monta de novo,
entendido?” “Yes chef”.
Preparado por mim. Dá pra ver a bagunça do prato?
Então chegou quarta. E o desafio?
Clafoutis aux cerises com Sauce Anglaise (torta de cerejas com creme Anglaise).
Preparado pela chef Elke
Esta é uma receita que exige muita
atenção e cuidado com os detalhes. Tudo pode dar errado. Para começar a massa, dificílima de manusear,
dificílima de chegar no ponto, dificílima de colocar na forma... Teve gente que empacou ai e não saiu mais. Eu
quase empaquei. Primeiro porque coloquei dois ovos em vez de um (Ismat e Eden,
ao mesmo tempo, me alertaram do erro!). Chamei o chef e ele conseguiu tirar um
ovo sem quebrar a gema (isso só com experiência!), mas acho que deixei um pouco
de clara desse segundo ovo lá. O resultado é que a minha massa ficou mais
molhada que o normal. O que se faz numa hora dessas? Mais farinha. Mas só fui
entender isso depois de passar 15 minutos me estressando com aquele grude na
minha mão. Depois, na hora de colocar na forma, a danada quebrou, e tive que
abrir ela de novo. Deu certo,fui de segunda, mas me atrasei. E aí começou a
bater aquele desespero: “não vai dar tempo, não vai dar tempo”. Até que olhei
para o lado, e percebi que, com exceção do Eden e da Ismat, todos estavam tão
ou mais atrasados que eu! Até a galerinha da competição estava muito atrás, uns
ainda brigando com a massa, outros tendo que fazer tudo de novo. No final é
claro que deu tempo, até sobrou. Torta no forno, tudo arrumado e limpo, e pela
primeira vez em 3 semanas me vi sem ter o que fazer. Então a cabeça começa a
funcionar, e “Chef, o pedaço da torta no prato, precisa ser triangular?” O chef
me olhou desconfiado, e disse: “Não necessariamente”. “Thanks chef”. E com um
sentimento incrível de liberdade criei uma apresentação completamente diferente
das demais. E ainda acrescentei uma canelinha com açúcar que foi muito bem com
as cerejas. Só esqueci de tirar a foto! Hahaha! Mas quando cheguei em casa,
tentei repetir, e eis ai mais ou menos como ficou. Sendo que na aula eu
coloquei um “caminho” de canela em pó em cima do açúcar.
Preparado por mim, mais ou menos igual ao que fiz na aula.
Ficou faltando o caminho de canela em cima do açucar.
Na saída da cozinha, chef de
bobeira, não agüentei e perguntei: “Chef, gostou da decoração?”. “Yes, yes,
very creative”. “Thanks chef!” Aêêêêêêê!!!!!!!!!!!!!!!
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