Outra dificuldade da
semana foi chegar ao curso. Perder o ônibus virou rotina. E aí você pensa: “isso
que dá dormir demais e chegar atrasada no ponto! Bem feito!”. Obrigada pela
parte que me toca, mas não foi o caso. Eu cheguei adiantada no ponto todos os
dias. O problema é que o transporte público aqui na Austrália funciona muito
bem. Tão bem, que ao invés do ônibus chegar atrasado, ele chega adiantado! No
primeiro dia, cheguei 3 min mais cedo no ponto, e quando olho para a esquerda,
olha o ônibus lá!!! Tá vindo? Não, tá indo! Já passou... Daí no segundo dia,
cheguei 8 min mais cedo, e “Vale a pena ver de novo” entrou no ar, exatamente a
mesmíssima cena, com direito a ônibus indo embora em câmera lenta e piiiiiiiiiiiiiii
saindo da minha boca enquanto eu corro desnecessariamente na esperança ridícula
que o ônibus vai parar e me esperar. Então no terceiro dia, com muita raiva no
coração, eu pensei: “hoje vou acabar contigo seu desgraçado!”. E foram 10
minutos mais cedo no ponto. Cheguei lá, apoiei meus 20 quilos de tralha no
chão, cruzei os braços, angulei as sombracelhas, e fiquei lá, batento
pezinho... e bati pezinho, e bati pezinho, e fiquei a bater pezinho por exatos...
10 minutos! Sim, dessa vez ele chegou na hora. Tenho certeza que escutei o
pensamento do motorista: Gotcha! Ok, 3 x 0, mas eu juro que vai ter revanche.
Fora as pedras no
caminho, a semana foi excelente. E eu já estou preparando pratos que até minha
mãe duvidaria. Tudo bem que nem tudo saiu perfeito, mas não se esqueça que eu
ainda estou aprendendo. E que eu entendo mais ou menos 80% do que o chef diz (60%,
se o chef for italiano, e 40% se o chef for australiano, eita sotaque difícil!).
Ou seja, algumas vezes eu simplesmente não sei o que deve ser feito. Quando
consigo perguntar de novo ao chef, ótimo, mas quando não consigo, o que faço é
olhar para os outros alunos, descaradamente, e copiar o que eles estão fazendo.
E claro, torcer para que eles estejam fazendo certo.
Na segunda-feira,
primeira aula da semana, nossa meta era preparar uma quiche Lorraine. Então
primeiro a gente faz a massa, deixa a massa descansar e enquanto isso prepara
os outros ingredientes (bacon e queijo). Depois a gente assa a massa sem o
recheio, prepara o recheio, coloca o recheio, assa mais um pouco, e pronto,
temos uma linda quiche Lorraine. Parece fácil né? Mas não é. Foram 3 horas e
meia numa confusão total, 3.574 detalhes para prestar atenção e o fogão, de
pirraça, resolveu não esquentar muito (será que ele ficou com pena das minhas
mãos? Obrigada pela preocupação, querido fogão. Mas eu preciso que você
esquente, mon amour). Ou seja, na hora de apresentar à chef, a massa estava
ainda um pouco crua. O que me salvou, de novo, foi o tempero, na medida certa,
excelente segundo a chef. Aeeeee!
Daí na terça, a coisa
complicou mais. Além de termos que preparar e assar uma Pissaladiére (pizza
francesa em formato retangular, sem queijo, e com minhas muito amadas
anchovas!), tivemos também que preparar o super chique Pouding de riz à La
Française (primo rico do nosso arroz-doce, de festa junina). E pela primeira vez no curso eu tive vontade
de chorar. Não porque cortei ou queimei a mão (meu lado macho não me deixa
chorar por essas coisas), mas porque me vi completamente perdida umas 10 vezes.
Sabe quando você vai até o outro lado da cozinha, e quando chega lá, pensa: “mas
o que eu vim fazer aqui mesmo?”. E não, eu não dormi na aula de demonstração,
muito pelo contrário, acompanhei e anotei passo a passo. Mas às vezes a gente
está num dia ruim mesmo. O fato é que esqueci de botar o sal e o açúcar na
massa da Pissaladiére, e o leite do pudim quase me matou do coração quando
levantou fervura e por pouco, muito pouco mesmo, não entorna no fogão inteiro.
Pelo menos meus reflexos estão em dia. Em 1 segundo a panela do leite já estava
em cima da pia, meu rosto virado para o lado – sem coragem para ver a cena - e
eu pensando: “Vai, derrama seu desgraçado!”. Não derramou! Chegou na bordinha e
não derramou! - meus agradecimentos ao santo dos cozinheiros avoados. No final
de tudo, para minha grande surpresa, a massa da Pissaladiére ficou ótima, e o
pudim não ficou assim dos melhores, mas passou na média. Um milagre, levando em
consideração as 3 horas e meia de horror.
Então chegava quarta-feira,
e eu sinceramente entrei em desespero. O menu? Pernas de carneiro ao molho de
vinho tinto, risotto, vagens francesas e cenouras glacê (em formato de
barril!!!). “Não, não vai dar tempo, não é possível, assim não dá. Ei Cordon
Bleu, eu ainda tô na segunda semana do básico hein! Vocês tem certeza disso????”
Foi o que pensei quando cheguei em casa na terça e fui estudar para o dia
seguinte. Bom, eu não tinha outra escolha a não ser tentar me preparar ao
máximo. E assim fiz. Estudei cada ingrediente, suas
quantidades, o que fazer com cada um, quando fazer, que utensílios usar, e etc
etc etc. No dia seguinte, na aula de demonstração, eu não pisquei o olho, eu não
olhei para os lados, eu não deixei de prestar atenção 1 segundo sequer. Eu era
uma máquina. Resultado: quando cheguei na cozinha, sabia exatamente o que fazer,
não perdi um milésimo de segundo, minha mente era um workflow, e enquanto eu estava no passo 3, ela já planejava os
passos 4, 5 e 6. Pela primeira vez, me senti uma profissional na cozinha. O
resultado dos pratos? Não, nem foi dos melhores. O risotto estava com boa
consistência, mas faltou sal (se bem que o chef falou isso para a turma
inteira, então acho que é ele que gosta de sal demais). O carneiro podia ter
cozinhado mais (mas quando tirei do forno, pedi ao chef para ver se estava
cozido, e ele disse que sim! Enfim, na próxima vez levarei em consideração também
a minha opinião). E o molho? Tínhamos que reduzir (significa deixar em fogo
baixo para que a água evapore e o molho ganhe consistência). Eu juro que
entendi que quanto mais reduzido, melhor. Então deixei uns 40 min em fogo baixo
e o molho virou um xarope. Achei lindo, achei que estava perfeito, achei que
estava arrasando, e quando mostrei ao chef, surpresinha: reduziu demais. Para
completar, minhas vagens estavam muito cozidas (elas tem que ficar al dente).
Pelo menos as cenouras estavam perfeitas. Mas quem quer saber delas?
Enfim, apesar do
resultado ruim, eu fui feliz para a casa. Consegui me organizar na cozinha,
manter a calma, pensar em etapas, e não entrar em desespero. Para mim foi um
passo enorme! Totalmente necessário para que eu ganhasse confiança novamente e
continuasse acreditando que estou no caminho certo. A realidade é que pela
primeira vez na minha vida eu realmente AMO o que estou estudando. Não me
importo de perder as noites e finais de semana lendo sobre o assunto e
praticando. Porque para mim não é estudo, é diversão, é felicidade, é bom
demais.
Para as próximas
semanas, prometo que me lembrarei de tirar fotos dos pratos. Mas se um deles
queimar, vou falar que esqueci, e vocês devem fingir que acreditam, combinado? J
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